segunda-feira, 25 de abril de 2011

A vida é preciosa

“(...)Quando ele começava assim, eu já sabia que ia ter de ouvir uma longa explanação.


- Você tem consciência de que naquela época você tinha muitos milhares de antepassados? – perguntou meu pai.

Balancei a cabeça em sinal de dúvida sobre o que ele havia dito. Como aquilo podia ser possível?

- Todos nós temos um pai e uma mãe, quatro avós, oito bisavós, dezesseis tataravós, e assim por diante. Se você for fazendo as contas até voltar a 1349, vai chegar a um número bem grande.

Concordei.

- Então veio a peste. A morte rondava os povoados, um a um, e as crianças eram as suas maiores vítimas. Em algumas famílias morreram todas as crianças; em outras, uma ou talvez duas conseguiram sobreviver. Naquela época, Hans-Thomas, muitas centenas dos seus antepassados eram crianças. E nenhum deles morreu.

- Como é que você pode ter tanta certeza disso? – perguntei intrigado.

Ele deu uma tragada no cigarro um continuou:

- Porque você está bem aqui ao meu lado, olhando para o mar Adriático.

Essa foi mais uma daquelas conclusões surpreendentes, que me deixavam sem saber como reagir. Uma coisa era certa: meu pai tinha razão, pois se apenas um de meus antepassados tivesse morrido quando criança, ele ou ela não poderia ter sido meu antepassado.

- A probabilidade de nenhum de seus antepassados ter morrido ainda criança era uma para muitos bilhões – prosseguiu ele. E a partir daí suas palavras começaram a jorrar como a água de um dique que se rompe: - Pois não estamos falando aqui apenas de uma peste, entende? Todos, todos os seus antepassados cresceram e tiveram filhos em épocas que foram palco de mais terríveis catástrofes naturais e que, além do mais, possuíam índices assustadores de mortalidade infantil. É claro que muitos deles chegaram a ficar doentes, mas o fato é que todos sempre sobrevivem às enfermidades. Assim, por muitas centenas de bilhões de vezes você esteve a um milímetro da morte, Hans-Thomas. Sua vida nesse planeta foi ameaçada por insetos e animais selvagens, meteoros e raios, doenças e guerras, enchentes e incêndios, envenenamentos e tentativas de assassinato. Só na guerra dos Trinta Anos você deve ter se ferido muitas centenas de vezes, pois você deve ter tido antepassados de ambos os lados. Sim, no fundo, você travou uma guerra contra si mesmo e contra suas possibilidades de nascer três séculos mais tarde. E o mesmo vale para a Segunda Guerra Mundial: se algum bom norueguês tivesse abatido o seu avô durante o período da ocupação, nem você e nem eu teríamos nascido. Estou falando de uma coisa que aconteceu muitos bilhões de vezes ao longo da história. Todas ás vezes em que uma seta cortou os ares sibilando, as chances de você nascer foram reduzidas a um mínimo. Mas aí está você, Hans-Thomas, sentado bem ao meu lado e conversando comigo. Entende? (...)”

O Dia do Curinga, Jostein Gaarder – pág. 140

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